Muito mais que brinquedos, bonecas são fonte de identificação e companheirismo no imaginário infantil. Além disso, também podem auxiliar no tratamento de doenças. Um projeto voluntário criado no Rio de Janeiro se dedica a amenizar o sofrimento de crianças em hospitais, confeccionando bonecas parecidas com os pacientes. A ideia é oferecer as companheiras terapêuticas para fortalecer a autoestima e reduzir a dor das crianças, auxiliando-as psicológica e emocionalmente durante o tratamento.
A ideia surgiu em 2014, a fim de minimizar os impactos do tratamento oncológico infantil. Foi criado, então, um protótipo de boneca de pano sem cabelo, acompanhada de peruca e chapéu. O objetivo era mostrar que os fios voltariam a nascer na cabeça, mas que, até lá, existiam formas de amenizar o desconforto da perda de cabelo.
Não demorou para que a iniciativa ganhasse admiradores, e o Bonecas de Propósito logo passou a receber pedidos. Novos modelos, retratando a fissura labiopalatina e transplantes de fígado, já chegam às mãos de crianças internadas no Rio de Janeiro.
A ideia original foi compartilhada até que grupos similares, inspirados pela história de sucesso, nasceram em outras cidades.
Diversidade
Para além das fronteiras cariocas, as bonecas embarcaram na ponte aérea e hoje são produzidas também no estado de São Paulo.
Encantada com os relatos, a empresária Gigi Carvalho decidiu, em 2017, desenvolver o Bonecas de Propósito na capital paulista. Reuniu mulheres dispostas a confeccionar os brinquedos e convidou a criadora do projeto para auxiliá-las.
A primeira leva foi entregue no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci). Desde então, o trabalho cresceu e o grupo formou a Associação Casazul. A inspiração veio do Rio, mas o projeto paulistano criou novos modelos. Além das bonecas destinadas aos pacientes cardíacos, renais crônicos e àqueles em tratamento contra o câncer, também confeccionaram bonecas albinas e gestantes –essas últimas, uma edição especial, foram doadas para mães em agosto, o mês de aleitamento materno,
A aparência das bonecas segue a feição dos destinatários: bonecas carecas vão para a área oncológica, as com cicatrizes e órgãos em destaque chegam às mãos de jovens transplantados, e as de pele bem clara são doadas para os portadores de albinismo. E, com figuras de todas as cores, tipos de cabelo e roupas, a diversidade nunca é esquecida.
“Antes de começar o trabalho, damos as mãos para que essas bonecas saiam com muito amor, força e energia positiva. Então ninguém faz nada em casa”, diz Gigi.
A Associação Casazul tem parceria com diversos hospitais de São Paulo e não para de receber encomendas. Só neste ano, de janeiro a agosto, o grupo já confeccionou 260 bonecas. “No início, demorávamos um mês para fazer uma. Hoje, a produção leva, em média, de 12 a 15 horas.”
A terapia alternativa chegou também a Campinas (SP), onde os Bonecos do Bem são feitos e doados para o Centro Infantil Boldrini, especializado em oncologia e hematologia pediátricas.
Aceitação do tratamento
Compostos por mulheres, os grupos costuram bonecas utilizadas por médicos, psicólogos e terapeutas no tratamento de crianças.
“Quando observamos dificuldade de aceitação da alopecia [queda de cabelo] ou do entendimento da rotina hospitalar pela criança, utilizamos as bonecas como recurso terapêutico para facilitar o processo”, diz Renata Sloboda, terapeuta ocupacional do Itaci, de São Paulo.
O Itaci atua na área oncológica e recebe modelos voltados à recuperação do câncer. “Entregamos o boneco com características semelhantes às das crianças e a identificação costuma ser imediata. É muito comum elas explorararem, colocando e tirando a peruca”, relata a terapeuta. “Confeccionamos com as crianças recursos para aproximar mais a boneca da realidade, como sonda e cateter de oxigênio. A boneca, como o paciente, recebe os cuidados, e a criança aceita melhor seu próprio tratamento.”
A relação não custa nada para os hospitais. E a recompensa para as voluntárias da associação, que não têm contato direto com as crianças, é o recebimento de relatos e fotos autorizados pelos pais dos pacientes. Histórias expostas nas paredes da Casazul servem como motivação diária para as 48 voluntárias.
Uma das presenteadas foi uma garota de três anos, internada há 40 dias para tratamento de um câncer, assustada e sofrendo variações de humor. Segundo os profissionais do Itaci, era comum haver gritos e choro diante de qualquer tentativa de aproximação. A menina recebeu uma boneca -sem cabelos, assim como ela- e, desde então, passou a sorrir e a interagir com sua terapeuta, enquanto brincava e vestia com um gorro a nova amiga.
“Costumamos fazer o pedido semestralmente e recebemos as bonecas sem qualquer custo”, explica Renata. Os gastos são cobertos pela contribuição mensal das voluntárias, assim como por doadores interessados no projeto. Qualquer pessoa pode ajudar como voluntário na confecção das bonecas ou com doações.
Na Casazul, a “adoção” de uma boneca custa R$ 100. Por essa quantia, a boneca sai da associação com uma plaquinha, com o nome da pessoa que a “adotou” escrito, como se fosse um presente do doador para a criança.
Pedro Rubens Santos – UNIVERSA/UOL